sexta-feira, 25 de junho de 2010

O diabo veste prada

Mensageiro natural, de coisas naturais.

Quando eu falava destas cores mórbidas,

Quando eu falava destes homens sórdidos,

Quando eu falava deste temporal.

Você não me escutou...

Flávio Venturini


Já diria Santo Agostinho relendo Platão que o ser humano participa da beleza divina. Parte-se-á , crendo ou não, do pressuposto agostiniano que de fato o ser humano é "imago Dei" , ou seja, "imagem de Deus", a natureza humana tem uma beleza in natura por participar da beleza do Criador. Porém há seres humanos que nunca pararam para prestar atenção à sua beleza, nem aos olhares que recebem. E por que? Porque veem a beleza com um olhar televisivo, um olhar, diríamos, global. Um olhar platônico invertido, idealizado não pela beleza, mas pela instrumentalização do ser humano. Para ser bela (o) , não pode ter uma ruga, uma celulite, uma ou outra gordurinha. O que a lógica instrumental diz é o seguinte: “se deve viver sobre o domínio da ditadura da moda, porque o diabo veste prada, e o papa também”!

Sabe-se o quanto é sufocante viver sob ditaduras. Viver sob ditaduras mata a liberdade e a vida. Um olhar, um sorriso bem dado, pode causar mais impacto do que cirurgias plásticas. Não se defende aqui o desleixo total, deve-se cuidar de si, mas viver sobre idealismo consumista mata o romance, mata a paixão, mata o tesão. Mata porque há rancor por não alcançar os ideais de beleza ,de fortuna e por isto não se enxerga beleza nem em si, nem nos outros. Os outros são chatos porque não “tem” beleza, não “tem” riqueza, enfim o outro vale pelo que se tem e não pelo que é. Sempre busca-se o novo, o atraente, mas perde-se o essencial, que muitas vezes, é invisível aos olhos. Por isto a culpa de não ser feliz está sempre nos ombros dos outros que são tratados como lixo, coisas descartáveis, quando não “tem” mais utilidade. Desta forma se faz de tudo para se livrar daquele peso, que agora, “feio” ,deve ser deixado de lado, para não causar estupor à sociedade.

Para ser feliz, tem que ter “beleza”. A lógica mercadológica diz o seguinte: para ser bela (o) é preciso contratar um esquadrão. Este olhar sobre si e sobre os outros instrumentaliza o ser humano e faz dele um fetiche. Escapar desta instrumentalização é perceber que a simplicidade fala mais ao coração do que mil tratamentos de beleza. Atrás de tanta beleza desejada, existem homens e mulheres que mais parecem um “pavão misterioso”, e tudo isto porque? Por que existe um o olhar ditatorial e competitivo. Este olhar, segundo a lógica do consumo, é quem deve emitir o juízo último sobre a beleza.

O filósofo alemão, Immanuel Kant, escrevia no século XVII: sapere aude (ousa saber!). Partindo desta lógica quem decide o que o humano é e como deverá ser é a própria razão. Não é algo externo ao humano que vai ditar o que ele deva ser e fazer. Esta inferência tem nome: autonomia da razão. Daí nem pavão misterioso, nem Amélia. Há que se em encontrar um “justo meio”. A beleza “externa” não é eterna, pelo menos para os ditames consumistas. Portanto é preciso aprender a lidar com isto, ou viver-se-á em paranoia, em busca da fonte da eterna juventude. Há necessidade de dar mais alegria à vida e menos consumos otários que levam as pessoas a frustrações e rancores eternos. Cuidar de si e do corpo é saudável e necessário. O problema é quando uma celulite, ou gordurinhas a mais viram um terror, uma desgraça e dividem o ser humano entre ser e ter.

Quando viver se torna um fardo insuportável, somente porque fizeram a “fulana” ou o “fulano” acreditar que são uma princesa Fiona ou um Sherek e estão fora dos padrões globais de beleza. Existem belezas in natura. Porém para encontrá-las é preciso prestar mais atenção nas pessoas no que nos ditames da moda. É preciso olhar para o cotidiano da vida para entender a beleza, como nas palavras de Adélia Prado e sua visão sexagenária:

"Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez"..

Sábia Adélia, atenta a beleza ordinária.



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