sexta-feira, 2 de agosto de 2013

CARTA AO MEU PAI



            Olá,
            Quanto tempo! Lá se vão dezesseis anos que tu partistes. Saudade, velho! Você como diria o Boldrin, “foi fora do combinado!”
            Ontem andei vasculhado o passado, em um tal de youtube que torna o passado tão presente, vi o primeiro jogo que me lembro de ter assistido ao teu lado Brasil X Itália na Copa do Mundo de 82. Jogo memorável, triste, porém memorável. Depois daquele jogo, levaríamos doze anos para comemorar juntos, (foi nossa primeira e última comemoração de um título mundial da seleção) sobre a mesma Itália, naquela sofrida decisão por pênaltis, onde ao final, Baggio mais parecendo um jogador de futebol americano mandou a bola para cima! Foi o mote para nos abraçarmos feito loucos e não deu para conter às lágrimas. Vimos juntos o tão esperado tetra campeonato. Porém não vimos as vitórias e derrotas do Corinthians pós - 97 imagina, foi até campeão da libertadores e do mundo, quem diria?
            Penso que deves estar em um “Estado de Graça”, junto com Sócrates, o brasileiro, de quem eras fã, tomando uma cerveja, vez ou outra, assando uma costela, afinal me ensinaste desde de pequeno que para aqueles que tivessem um coração bom, independentemente de credo, Deus prepararia um banquete. Sempre tiveste um coração bom e aqui na terra uma costela bem assada era teu melhor banquete, imagino então que continuas a saborear algumas conversando com o “doutor” sobre “democracia”, a corinthiana e a política. Democracia da qual você sempre tinha algumas ressalvas e desconfianças.
            Quando partiste fui perdendo o gosto pelo futebol, do qual me ensinara a gostar demais e jogar de menos. O dia que ajudei carregar teu corpo e sepultá-lo, sepultei algo de mim. Mas toda sepultura tem ressurreição e ressuscitando continuei o caminho...
            Andei desistindo de alguns projetos, como por exemplo o de servir à Igreja, a qual amavas e me ensinou a amar. Desisti então de servir a Igreja como padre mas creio que fiz um serviço a própria instituição, hoje quando paro para “conversar” com Deus e com alguns “anjos” que ele colocou ao meu lado tenho a impressão que tomei a decisão correta, creio que minha pessoa prestaria um desserviço à Igreja e a Igreja precisa ser renovada no serviço, disse o Francisco, o de Buenos Aires, seguindo o exemplo do de Assis.
            Sabes que todos estes anos você fez falta. Cometi erros, mas sempre procurei acertar. Tornei-me professor e embora com todas as dificuldades do “ser professor” sinto-me em casa. Olho para a juventude e vejo meu passado ali. Levei tempo, assim como a maioria deles, para entender que estudar também pode ser um prazer.
            Não tenho filhos, pelo menos com meu sangue. Mas aprendi a querer bem aqueles que de alguma forma poderiam ser os meus. Uma sinuca aos sábados e discussões filosóficas e piadas partilhadas com eles não deixam de ser um exercício de paternidade!
            Hoje caminho refazendo a minha vida, e entendo que refazê-la é um processo lento, gradual. Descobri que amar é um exercício não de “mendigar”, mas de “partilhar”, sentimentos, alegrias e tristezas, sem isto não há amor, há sujeição. Entendo que amar é como um poema de Adélia Prado, ser sempre “noivo e noiva”!
            Refaço minha vida acreditando que ela tem uma finalidade, a pensada por Aristóteles: a felicidade. Se fosse resumir hoje esse caminho o faria com uma canção emprestada do Gonzaguinha que também deve estar participando da mesma festa na qual estás e cantaria assim:
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta
Que hoje eu me gosto muito mais
Porque me entendo muito mais também
E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora
É se respeitar na sua força e fé
E se olhar bem fundo até o dedão do pé
Eu apenas queira que você soubesse
Que essa criança brinca nesta roda
E não teme o corte de novas feridas
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida
           
            Para encerrar só queria dizer, que há dias em que volto ao passado, como no jogo Brasil X Itália de 1982 e tenho a sensação que tu nunca saíste do meu lado.
            Até um dia...


            CHICO TORRESMO.

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