Ele ficara desconcertado. Diante daquele sorriso e daquela pergunta: O céu existe? Por um momento pensou em responder, mas concordou com Wittgenstein, daquilo que não se pode falar, devemos calar. Simplesmente sorriu, disse algumas palavras e pensando em fumar um cigarro, coisa rara em sua vida, lembrou da profecia de Isaías sobre um menino, que conduziria uma renovação na vida de seu povo, de tal modo que: o lobo seria hóspede do cordeiro, a pantera se deitaria ao pé do cabrito, o touro e o leão comeriam juntos, e um menino pequeno os conduziria; a vaca e o urso se fraternizariam, suas crias repousariam juntas, e o leão comeria a palha com o boi. A criança de peito brincaria junto à toca da víbora, e o menino desmamado colocaria a mão na caverna da serpente.
“Não era o primeiro texto que invocara o desejo humano de uma terra sem males!”, pensou ele. “Terra sem males, e não céu sem males”. Voltou a repetir para si...e continuando a pensar no problema cogitou:
“A um menino que nasceria séculos mais tarde em uma gruta de Belém, coube a tarefa de realizar a profecia, dele Fernando Pessoa escreveu: de tão humano só poderia ser divino. Depois de um tempo sumido, o menino, já feito homem, voltou dizendo que era filho de Deus e por assumir tal postura, falou de um certo Reino, disse que se a justiça que praticássemos não fosse maior que a dos Fariseus e mestres da lei, as prostitutas entrariam primeiro que nós neste lugar. Por conta desta e outras posturas, foi condenado política e religiosamente a morrer em uma cruz. Segundo os especialistas em coisas divinas, Jesus, tornado o Cristo, assumiu nossa humanidade, inclusive com a morte. Mas antes de morrer juntos com os seus amigos em uma ceia-refeição, sua última Páscoa, fez-se pão, fez-se vinho. Num relato emocionante do fato, um de seus discípulos escreveu: Tendo amado os seus que estavam no mundo amou-os até o fim , portanto, ele deixou saudade no coração do seus. A saudade se tornou necessidade...Fazei isto em memória de mim, e como diz a Adélia Prado, musa das coisas divinas no ordinário da vida: O que a memória amou tornou-se eterno.
Depois de pensar em tudo isto, o inquirido sobre o céu chegou a conclusão de que racionalmente , não havia como não ficar desconsertado diante daquela pergunta, e concluiu que o céu possa ser simplificado no gesto de eternizar a saudade de momentos bons da vida, os sorrisos, os amigos, a fé na vida, fé homem, fé no que virá. O céu não era certeza matemática, era esperança escatológica da eternidade. Eternizar é ter no coração a utopia da terra sem males e a esperança do filósofo existencialista que um dia escreveu: “amar alguém é dizer: 'tu não morrerás'”.
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